26.4.24

Taças

 


Taça Gazela, Art Deco, Steuben Glass,1935.
Desenho de Sidney Waugh.


Daqui.
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Guernica

 



Guernica foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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26-27.04.1974 – A libertação dos presos de Caxias

 


Que esta memória nunca se apague.

Seis vídeos com a libertação dos presos AQUI.
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Com um cravo na mão à hora certa

 


«Quando perguntaram a Palmiro Togliatti, líder do PCI entre Gramsci e Berlinguer (com Luigi Longo pelo meio) e teórico da “via italiana” parlamentar para o socialismo, o que tinham os comunistas ensinado aos italianos, ele respondeu: “Ensinámos aos camponeses e aos operários a não tirarem o chapéu quando o patrão passa.” Ouvi esta frase quando revi “A Coisa”, o documentário de Nanni Moretti sobre o debate interno antes da transfiguração do menos pró-soviético dos partidos comunistas em coisa nenhuma. Mas não é de comunistas que quero falar. É daquilo a que se quer reduzir a nossa Revolução.

Abril deu ao trabalhador a dignidade de não tirar o chapéu ao patrão, à mulher o direito a deixar de pedir autorização ao marido, ao negro a experiência de não tratar o branco por “senhor”. Primeiro em explosão de liberdade, só depois com direitos formais. O 25 de novembro, que o povo apoiou sem alguma vez festejar, foi necessário para travar a caminhada para o abismo das “vanguardas”. Mas hoje serve para os outros derrotados desse dia (os que Melo Antunes travou quando queriam a revanche saudosista) tentarem criminalizar essa explosão inicial, transformando a Revolução num mero golpe de Estado. Do 25 de Abril fazem parte o 28 de setembro, o 11 de março, o 25 de novembro. Mas só Abril libertou. E resumir essa libertação ao fim da censura e da polícia política ou à adoção da democracia parlamentar é ignorar o que há mais tempo oprimia os portugueses: a miséria, a dependência, o favor, a herança. O que acabou com a indignidade foram os direitos dos trabalhadores, o sistema de reformas universal, as fé¬rias, o 13º mês, a escola pública para todos, o Serviço Nacional de Saúde. Sobraram relíquias, como o corporativismo. Na justiça, onde está intacto, alimenta o justicialismo antidemocrático de uma casta “moralmente superior”. Tivéssemos optado pela serena transição e assim seria tudo o resto, com os velhos poderes a tutelar a jovem democracia.

Não há liberdade a sério para quem vive em necessidade. Quem não tem direitos não pode deixar de tirar o chapéu ao patrão que passa. Não há mulheres livres que não se sustentem a si mesmas. Um cidadão não vive em democracia se o medo impera na empresa onde trabalha. O que libertou e democratizou o nosso país foi, antes de tudo, uma profunda revolução social. Parte vinha de antes, muito chegou depois, como acontece sempre nestas mudanças. Sem exagerar nos resultados, porque ainda somos dos países mais desiguais da Europa, os portugueses libertaram-se quando deixaram de depender do padre para continuar a estudar, da sorte para não morrer no parto, do berço para chegar ao ensino superior, da obediência ao patrão para manter o emprego. Se a extrema-direita ameaça a democracia política, outros têm atacado estas conquistas, que veem como um perigo para a liberdade do privilégio. Não atacam o Abril que nos une. Atacam o Abril que, democraticamente, continua em disputa. Aquele que operou uma mudança ainda mais profunda do que a mudança de regime.

Em “A Coisa”, um outro militante em sofrimento existencial diz: “Quando os comunistas perdem a ideia da revolução, perdem o sentido da aventura. Sem sentido da aventura tornam-se gente aborrecida e, como vimos, até gente perigosa.” Não quero o regresso da utopia comunista que, tendo combatido a exploração onde foi resistência, deixou um rasto de crime onde chegou ao poder. Por estes dias, a (verdadeira) social-democracia chega e sobra como radicalidade. Quero que alguém se recorde que o 25 de Abril não se fez para estarmos de acordo. Se gritamos “25 de Abril, sempre”, é porque ele está sempre em disputa. Quando apenas servir para unir os que defendem um modo de Governo, estará tão morto como o 5 de outubro. Abril deu-nos o direito a sermos do “contra”. Por isso o celebramos com uma manifestação de protesto, coisa incompreensível para estrangeiros que vão espreitar a avenida. Porque ainda não é apenas mais uma festa do regime.

Engana-se quem diz que Abril não se cumpriu. Conquistámos os instrumentos para decidir o nosso futuro. Se, nas últimas décadas, reduzimos a democracia à seleção dos gestores de coisas inevitáveis, isso foi escolha nossa. E essa escolha talvez tenha ajudado a inchar a extrema-direita. A democracia deixou de prometer mais do que o olhar alcança. E isso mata as ditaduras, as democracias, todos os regimes. A extrema-direita cresce porque as pessoas precisam que alguém diga que quer mudar alguma coisa. Apesar de não serem mais do que o sistema por meios mais agressivos, ao menos fingem que são do “contra”. Nós, como diria José Mário Branco, “saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas”. Defendemos as conquistas de Abril, a memória de Abril. Tanto empenho em defender Abril que nos esquecemos que Abril nos trouxe o direito à dissidência. Esquecemos que somos os que um dia tomarão o castelo, não os que o defendem. Se queremos celebrar Abril, reinventemos a desobediência. Ou, perante a evidência que deixámos de conquistar coisas novas, os seus inimigos ocuparão esse lugar.»

Daniel Oliveira
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25.4.24

25.04.1974 – Uma das minhas relíquias

 


(Francisco Sousa Tavares, Nuno Bragança, Maria Belo, eu e Pedro Tamen.)

A tarde tinha acabado, o Largo do Carmo estava já vazio, nós ficámos a andar por ali e a Liberdade também.

(Fotografia de M. de Carmo Galvão Teles)
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Sim, fomos muitos a ver

 


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Poema de Abril

 



A farda dos homens
voltou a ser pele
(porque a vocação
de tudo o que é vivo
é voltar às fontes).
Foi este o prodígio
do povo ultrajado,
do povo banido
que trouxe das trevas
pedaços de sol.


Foi este o prodígio
de um dia de Abril,
que fez das mordaças
bandeiras ao alto,
arrancou as grades,
libertou os pulsos,
e mostrou aos presos
que graças a eles
a farda dos homens
voltou a ser pele.


Ficou a herança
de erros e buracos
nas árduas ladeiras
a serem subidas
com os pés descalços,
mas no sofrimento
a farda dos homens
voltou a ser pele
e das baionetas
irromperam flores.


Minha pátria linda
de cabelos soltos
correndo no vento,
sinto um arrepio
de areia e de mar
ao ver-te feliz.
Com as mãos vazias
vamos trabalhar,
a farda dos homens
voltou a ser pele.


Sidónio Muralha, Poemas de Abril
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Foi isto todo o dia



E ficou gravada em mim para sempre.
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24.4.24

Um vaso diferente

 


Vaso «Junon», de esmalte policromado em cobre, com pegas e base em prata. Cerca de 1900.
Eugène Feuillâtre.

Daqui.
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Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias depois

 


«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares, inundadas de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exactamente para onde mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade!, cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»

José Cardoso Pires, Alexandra Alpha
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Ironias do (nosso) destino

 


Bugalho sai da Impresa, Costa entra no Correio da Manhã.

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Para a AD, experiência é cadastro?

 


«Conheço Sebastião Bugalho há uns dez anos (o que quer dizer que o conheço quase desde que saiu da adolescência). Como se costuma dizer, tenho muita estima pessoal e respeito intelectual por ele. Na realidade, arriscaria a falar de amizade, não usasse o termo com parcimónia. Tive muitas discussões com pessoas de esquerda em sua defesa. Acho-o inteligente, com cultura política e rápido. Mas o facto de comentadores e jornalistas andarem pelo mesmo ramo não deve levar a um tratamento diferenciado, ou seremos mais uma corporação que se protege e assim vai tomando o poder. Escreverei sobre Sebastião Bugalho o que ele escreveria, se decidisse fazer uma análise politicamente desapaixonada.

Se olharmos para os cinco partidos menos recentes, tiveram, como cabeças de lista ao Parlamento Europeu, Mário Soares, Pacheco Pereira, Lucas Pires, Carlos Carvalhas ou Miguel Portas. O PSD teve, para além de Pacheco Pereira, António Capucho, depois de ter sido ministro dos Assuntos Parlamentares de Cavaco Silva; Eurico de Melo, depois de ter sido ministro da Administração Interna e da Defesa; João de Deus Pinheiro, depois de ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros e comissário europeu; e Paulo Rangel, com vasto pensamento sobre política europeia (que, apesar das suas inúmeras intervenções, não conheço em Bugalho), sendo uma reserva para a liderança do partido. Gosto mais do uns do que outros, mas é óbvio que o estatuto tem contado. E isso não está errado.

O cargo político mais relevante que Sebastião Bugalho ocupou foi o 6º lugar na lista do CDS para Lisboa (não eleito), em 2019. Seria um cabeça de lista possível (e ainda assim arriscado) para o CDS ou para a IL – esta foi uma excelente semana para Cotrim de Figueiredo, que passou a ser o candidato politicamente mais sólido e qualificado à direita. É impensável para liderar o partido que acabou de vencer as eleições e governa o país. O Sebastião vai-me perdoar, mas não tem o estatuto, que vem da experiência política e cívica e dos testes políticos pelos quais se passa, para liderar uma lista nacional do maior partido português.

Quando olhamos para Catarina Martins, Cotrim de Figueiredo ou João Oliveira, cabeças de lista de partidos muito mais pequenos do que o PSD, percebemos o absurdo do truque mediático, que causa entusiasmo na semana do anúncio. Que alguém tenha achado boa ideia convidar o presidente da Câmara Municipal da segunda principal cidade do país (que até acho que seria um mau candidato) para ser o seu número dois de Bugalho diz bem de como as coisas estão de pernas para o ar. E se toda a gente percebe isso, fica a dúvida: o que é ofensivo para Rui Moreira é bom para os eleitores?

Sei que o populismo faz do currículo político cadastro. Não se espera que o PSD, que tem como vantagem em relação aos seus concorrentes à direita a experiência dos seus quatros (pense-se em alguém como Poiares Maduro, por exemplo), siga esse caminho. E mesmo a experiência fora da política não está lá. O Sebastião Bugalho tem qualidade na análise do jogo político e tem cultura política. Não tem experiência que o qualifique para o lugar. Guardarei para outro texto a transformação dos comentadores numa casta política selecionada pelas televisões. Mas a sociedade civil onde querem ir buscar novos rostos não é o objeto que temos na sala e que se desliga com um comando. O mundo fora das sedes partidárias não se resume, ao contrário do que parecem pensar quem só conhece os partidos, aos estúdios da televisão.

A questão também não é a idade. Oiço falar de Paulo Portas. Ele tinha quase a idade de Sebastião Bugalho quando fundou o jornal que fez abalar o cavaquismo, mudado, para o bem e para o mal, o jornalismo português. Antes de ter direito a um lugar de destaque na política (com 33 anos, ao lado de Monteiro, e 35, como líder do CDS) teve de dar muitas provas fora dela. Sebastião Bugalho ainda só fez comentário. Como disse João Cotrim de Figueiredo, o argumento de Montenegro para esta escolha parece resumir-se à visibilidade no núcleo que se espera que vote nestas eleições.

Também vi comparações com Marta Temido. Não estou certo que tenha sido a escolha ideal para quem quer virar a página, passando os próximos dois meses a discutir o legado no SNS. Mas a cabeça de lista do PS foi ministra da Saúde durante a maior pandemia num século. Cada um fará a sua avaliação, boa ou má (era a ministra mais popular na altura?), mas não me ocorre maior teste a um político. Temido pode ser avaliada como política, Sebastião apenas pelas coisas que disse na televisão. Mesmo o número dois da lista, Francisco Assis, deu muito mais provas, como autarca, eurodeputado e presidente do Conselho Económico e Social, tendo um vasto pensamento sobre a Europa, que desconhecemos em Bugalho.

O problema dos comentadores é a sua vantagem: apareceram muito, mas também falaram muito. Em outubro, Bugalho previu a dificuldade da AD arranjar “cabeças de lista mais prestigiados e mais prestigiantes – ex-governantes, nomes que consigam disputar a eleição”. Entretanto, houve legislativas e Montenegro venceu. Paulo Portas já não é a única possibilidade para evitar uma “derrota flagrante ou honrada”. Mas, sem desprimor para o Sebastião, a dificuldade em arranjar um cabeça de lista prestigiado e prestigiante não se resolveu. Porquê?»

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