14.1.18

O nosso vergonhoso silêncio perante as prisões políticas em Espanha



«Estamos sempre prontos para protestar contra tudo e contra todos. Há mil e um movimentos de solidariedade com os presos de Guantánamo, em Israel, no Irão, na Arábia Saudita, na Venezuela, em Angola, na Guiné Equatorial, em Cuba, na Rússia, etc., etc. e aqui, ao nosso lado, permanecem presos membros do governo catalão, dirigentes de associações independentistas, deputados e alguns que não estão presos estão exilados como é o caso do presidente da Generalitat. A justificação estatal é de que se não se trata de presos políticos. Então o que é que são? São presos comuns?

Foram presos pela sua participação num processo independentista, que resultou da vontade da maioria dos catalães e que foi reafirmado nas eleições que o Governo espanhol convocou ao abrigo de um artigo da Constituição que lhe permite suspender os direitos autonómicos. Nessas eleições, os partidos e associações a que estão ligados os presos tiveram uma maioria de deputados, pelo que mesmo numas eleições convocadas com o objectivo de travar nas urnas o processo independentista, mas que acabaram por ter um significado referendário, a intenção do Governo espanhol resultou num reforço e não num enfraquecimento da legitimidade das posições políticas dos presos.

O catalanismo, mesmo com a violência da guerra civil, tem sido no essencial um dos movimentos independentistas mais pacíficos em Espanha, e, nas últimas décadas em particular, é essencialmente um movimento cívico, linguístico, cultural, democrático, e, como se vê, com enorme apelo popular. Pelo contrário, o espanholismo militante, o centralismo monárquico castelhano, que existiu sempre e que veio agora ao de cima com intensidade, tem uma longa história de crimes e violência. Constituiu e constitui uma espécie de fundamento de movimentos como o falangista, de que toda a extrema-direita e muita da direita espanhola permanece próxima ou herdeira. Tem na sua história uma componente autoritária, antidemocrática e antiliberal, que semeou mártires por toda a Espanha no século XX. O modo como Rajoy respondeu com intolerância e violência ao processo catalão é directamente subsidiário dessa tradição e levantou a lama desse fundo espanholista agressivo da direita.

Os socialistas apanhados nas suas contradições contam cada vez menos, a não ser para legitimar Rajoy e o PP. O Ciudadanos aproveita e bem a sua oportunidade política de substituir, pelo menos na Catalunha, um PP quase inexistente. E os independentistas têm o seu próprio labirinto para nele caminhar. Mas, seja como for, existem os presos políticos e os presos políticos são também responsabilidade nossa.

A União Europeia de há muito que está longe de ser o local da democracia e dos direitos dos povos e tem critérios dúplices. Fecha os olhos ao Governo da Áustria, que entregou à extrema-direita pastas cruciais para a segurança do Estado e para a emigração e refugiados, é complacente com os húngaros, e, mesmo com os polacos, faz muito menos do que exigia a gravidade da situação. Mas o silêncio face a um país-membro que tem nas cadeias presos políticos é inadmissível.

É também por isso que a responsabilidade de solidariedade para com os presos políticos catalães é também uma exigência cívica para nós portugueses.»

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