18.2.18

Este artigo não tem título



«Não tem título para que não se corra o risco de formar impressões baseadas apenas no título. E é curto para que seja mais facilmente processado.

Vivemos numa sociedade em que tudo é rápido. Como vivemos na era dos anglicismos, talvez seja melhor dizer “fast”. Não há tempo para digerir a informação, para pensar e reflectir. Não sei se este termo existe, mas chamar-lhe-ei ‘fast-thinking’. A informação tem de aparecer já dissecada e processada para que não tenha de se perder um segundo nesse processo. Alguém que dê as respostas prontas, os resultados, para que não tenhamos de nos centrar no processo.

Olhamos à nossa volta e tudo acontece muito rápido. As crianças acumulam entradas de agendas gigantescas e assustadoras, divididas a cem à hora entre aulas, actividades extracurriculares e afins. Fins-de-semana de correria, a saltitar entre festas de anos dos amigos, actividades culturais, desportivas e afins. Férias programadas ao minuto, para que não sobre qualquer tempo livre, para que tenham um segundo que permita imaginar ou inventar algo para fazer.

Temos também os famosos “ATL” – Ateliers de Tempos Livres... onde existe tudo menos tempo livre. Actividades e mais actividades, mais entradas de agenda.

Se as actividades são boas? Claro que sim. Socializar com os amigos? Fantástico! Passear com a família e descobrir coisas novas? Obviamente que sim. Mas também é necessário algum tempo para não fazer nada. Tempo efectivamente livre, no qual as crianças aprendam a estar, a pensar, sem tarefas e programas. Sem o “ter de fazer”.

Estas crianças crescem e tornam-se em adolescentes de imediato. Membros entusiastas do “aqui e agora”. Do “já”, do “imediatamente”. Não há tempo para esperar por nada. O prazer não pode ser adiado e a tolerância à frustração é baixa ou inexistente. Perde-se, por vezes, o sentido da vida.

Estes adolescentes crescem e tornam-se adultos, muitas vezes impulsivos, que reagem sem o devido processamento cognitivo. Vivem segundo as primeiras impressões, as quais são aceites como válidas, como certas, sem contestação ou argumentário. Impressões que acabam por influenciar emoções e comportamentos. Tudo tem que ser muito rápido. A fotografia à comida, partilhada numa certa hora que, dizem as estatísticas, é a hora em que existe maior probabilidade de ser visualizada e, claro está, a ânsia de receber “likes”. As fotografias dos filhos, nas mais variadas situações e que se espalham pelas redes sociais com uma rapidez incrível, sem que os pais tenham a mínima noção de onde podem ir parar. Ou que uso poderão vir a ter...

Se algo não for fotografado, partilhado e “gostado”, é como se não existisse. As vivências deixam de ter o significado da experiência, dependendo mais da reacção dos outros a essas mesmas vivências. O número de “likes”, visualizações e partilhas dita tudo hoje em dia.

As redes sociais têm muitas vantagens, é certo, desde que não nos anulem a capacidade de pensar, com calma. Reflectir antes de agir ou reagir.

A pressão em nosso redor é de tal forma elevada que também eu, confesso, sou muitas vezes arrastada para esta forma “fast” de viver. Não apenas a agenda caótica, a multiplicidade de projectos, desafios e obrigações, mas também a necessidade de estar a par, de perceber em tempo quase real o que se passa à nossa volta. É como colocar os carris da linha de ferro com o comboio nas costas...

Vivemos tempos em que impera o imediatismo. Tente-se encontrar um equilíbrio, ou a velocidade deixará tudo para trás, inclusive nós próprios, esquecidos por uma vida demasiado rápida para reter o essencial.»

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