10.3.18

Dica (733)



The People Vs. Democracy? (Jan-Werner Müller) 

«Are voters really so irrational and ill-informed that they make terrible choices, as the election result in Italy, the UK's Brexit vote and the election of Donald Trump in the US seem to suggest? If they are, as many liberals have come to believe, the obvious next step is to take even more decision-making power away from them.»
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Aldrabices em CVs: soma e segue




«O secretário-geral do PSD explica ainda que foi “convidado” por Manuel Pinto de Abreu (ex-secretário-de Estado no primeiro governo de Pedro Passos Coelho e também ele professor na Universidade Lusófona) para fazer investigação na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com a Universidade de Berkeley. Porém, ao Sol, Manuel Pinto de Abreu refere que “foi desenvolvido um trabalho preparatório” para Feliciano Barreiras Duarte ser visiting scholar naquela universidade — mas que isso “acabou por oficialmente nunca se ter tornado realidade”.

Feliciano Barreiras Duarte diz ainda que nunca foi à Universidade de Berkeley por falta de dinheiro.»
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Maio de 68?


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O perigo para a democracia das pessoas muito bem «informadas»


João Abel Manta


José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Vamos considerar um tipo especial de informação, não a que vem nos jornais, mas a que, se fôssemos jogadores na bolsa, permitiria aquilo a que se chama “insider trading”, o que é um crime. A definição canónica é qualquer coisa como isto: “O uso de informação relevante, ainda não divulgada, ‘por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso’, com o objectivo de auferir lucro ou vantagem no mercado, para si ou para outrem.” O mercado de que aqui estamos a falar inclui a bolsa, mas é essencialmente outro: é o mercado do poder na elite política, económica, social, naquilo a que tenho chamado o “círculo de confiança”, o grupo de pessoas que manda em Portugal, pelo dinheiro, pela influência, por estar no lugar certo na altura certa, mas acima de tudo pelo que sabe sobre quase tudo o que importa, aquilo que sabe sobre nós, e nós não sabemos ou queremos ou permitimos que se saiba. Não é evidentemente dos que denunciam anonimamente abusos e crimes, os chamados “whistleblowers”.

Na parte de baixo desta cadeia alimentar está a pequena corrupção pela compra da informação, desde o funcionário de uma autarquia que sabe quando um processo vai a uma reunião e informa o interessado, como se fosse um grande segredo, ou o que se está a passar no futebol. O caso dos nossos dias envolve um clube, mas duvido que não seja uma prática generalizada por todo o mundo de milhões que é o futebol e os grandes clubes. Pode ser pela pequena corrupção, mas é também pelo clubismo que ajuda a “passar” informações mesmo sem contrapartida, pela ligação promíscua de agentes judiciais, técnicos de informática ou dos impostos, polícias e magistrados com círculos deste poder. Que aí há corrupção ou insider trading generalizado é um segredo de Polichinelo. Desde as redacções de jornais que têm acesso a fugas de informação tão sistemáticas que não podem ser pontuais, nem gratuitas, até comentadores que podem dar informação privilegiada ou porque lhes é transmitida para ser divulgada dessa forma não atribuída, mas que se percebe que só pode ter vindo ou de advocacia de negócios ou de entidades que pretendem aí obter benefício, como, por exemplo, o Banco de Portugal. Não há volta a dar: alguém informou alguém do que não devia, ou para vantagem do fornecedor, ou para vantagem do fornecido. E, como não há verdadeiro escândalo com estas práticas, nunca é feito qualquer escrutínio e tudo continua na mesma.

O Estado facilita esta circulação indevida de informação, recolhendo-a em claro abuso de qualquer regra de necessidade, através do fisco ou de um sistema bancário que é hoje altamente intrusivo da privacidade. É tudo em nome de boas causas, seja a do pagamento dos impostos devidos, seja na luta contra o branqueamento de capitais. Mas vai-se longe de mais, ao mesmo tempo que a informação excessiva adquire um valor em si mesma para além da finalidade inicial, e, sendo obtida, não é protegida.

No outro limite está a informação que procuram os serviços de intelligence, saber coisas sobre aliados e oponentes que permitam ter vantagem geopolítica, nas negociações ou na guerra. Obter essas informações, seja por meios técnicos seja pela chamada “humint”, a informação humana de agentes infiltrados ou comprados, é um processo vital. A importância deste tipo de informações faz com que o seu uso “desleal”, ou seja, o fornecimento de informações qualificadas a um adversário, competidor e inimigo, seja dos crimes com penas mais duras em vários países, a acabar na pena de morte.



Trump e Kim Jong-un: início de diálogo


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9.3.18

Dica (732)



O passado, hoje (Francisco Seixas da Costa) 

«Na morte de Varela Gomes, o presidente da República qualificou contudo o regime ditatorial com uma bizarra "trouvaille" semântica - uma "ditadura constitucionalizada". O professor Marcelo prevaleceu sobre o chefe de Estado. Ora a ditadura foi "apenas" uma ditadura: com censura, polícia política, perseguições, prisões, torturas e mortes.»
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Sondagem fresquinha: quem sobe, quem desce


«Em Março, o PSD subiu 0,6 pontos percentuais para 27% das intenções de voto, o máximo desde os 27,4% registados em Dezembro de 2016. Já o PS recua 1,4 pontos para 39,2%, o que representa o menor valor nas intenções de voto desde Outubro do ano passado, altura que culminou um período difícil para o Governo com os incêndios de Junho e desse mês e ainda o caso de Tancos.

Sendo certo que o PSD vem subindo no barómetro da Aximage há seis meses consecutivos, o crescimento alcançado entre Fevereiro e Março - primeiro mês desde que o partido é presidido por Rio, que assumiu formalmente a liderança social-democrata no Congresso de meados de Fevereiro - representa a maior subida em quatro meses. Por outro lado, a distância agora verificada entre os dois maiores partidos (12,2 pontos percentuais) é menor do que era em Dezembro de 2016 (12,7 pontos).

Além dos sociais-democratas, só o Bloco de Esquerda sobe face a Fevereiro, com os bloquistas a avançarem de 8,8% para 10%. A CDU (coligação entre PCP e PEV) recua ligeiramente para 7,4% e o CDS perde quase um ponto percentual para 5,4% das intenções de voto. Juntos, PSD e CDS (que vão concorrer às legislativas de 2019 em listas separadas), valem agora 32,4%, abaixo das intenções de voto recolhidas pelos socialistas.» 

Daqui.
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Tarde de chuva e umas belas gargalhadas




O Pedro Vieira no seu melhor.
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Ponte sobre o Tejo



«Segundo um relatório do LNEC, a ponte 25 de Abril tem fissuras em pilares, parafusos desapertados e cabos deslaçados, no fundo está um bocado como a revolução que lhe deu o nome. Mas se está em risco de cair faz sentido para aqueles que continuam a chamar-lhe ponte Salazar.

À partida, confio nos estudos do LNEC desde que vi o saudoso engenheiro Edgar Cardoso aos saltos em cima da pala do antigo estádio de Alvalade para provar que estava segura. A verdade é que, mais tarde, o estádio foi demolido e a única parte que se manteve firme e hirta, até ao fim, apesar das obras todas em redor, foi a pala do estádio. Foi graças ao professor Edgar Cardoso que a profissão de engenheiro ganhou um tal estatuto no país que, mesmo depois do que aconteceu com Sócrates, continua a ser bem vista.

Seria uma tragédia se a ponte 25 de Abril ruísse, especialmente se caísse em cima de um daqueles paquetes de cruzeiros cheios de turistas que nos vêm encher os cofres. Por outro lado, o facto de ficarmos só com um ponte podia evitar discussões, muitas vezes quase violentas, entre casais sobre: "Vamos pela 25 de Abril ou pela Vasco da Gama?" É uma das decisões mais terríveis de tomar para quem chega a Lisboa. Se vão mais do que duas pessoas no carro parece o público do "Preço Certo em Euros" a mandar palpites: "Vasco da Gama!" "Sobre o Tejo!"

Fez esta semana 16 anos da tragédia de Entre-os-Rios. Desconfio que pouco se aprendeu desde aí. Inaugurar pilares de pontes não dá votos nas eleições, porque mete mergulhadores e é quase tudo debaixo de água e não dá jeito para tirar fotos ou fazer reportagens. Por outro lado, se muitas vezes o Governo não corrige aquilo que todos vemos que está mal, por que raio iria gastar dinheiro em pormenores que não damos por isso? Não fossem as notícias, sabia lá que a ponte estava neste estado, e passo lá algumas vezes e sou um tipo pessimista e chato, sempre pronto a apontar defeitos.

Agora, não consigo voltar a olhar para a ponte 25 de Abril com os mesmos olhos. Não vou desistir da Maratona de Lisboa deste ano mas, quando passar na ponte, vou em biquinhos de pés. Só volto a sentir segurança a atravessar a 25/4 depois de fazerem um teste com uma feijoada na ponte como fizeram aquando da inauguração da Vasco da Gama. Porque o que nos vai valendo é que Lisboa não é famosa por sismos a não ser em livros de História.

Para terminar, se andamos todos há uns bons anos a fazer de cobaias da Lusoponte, acho que o mínimo é voltarmos aos tempos em que em Agosto não pagávamos portagens. Para mim, não pagar portagem na ponte 25 de Abril era o melhor que o Agosto tinha.»

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8.3.18

Dica (731)

Passos Coelho no ISCSP? Alunos não querem



«Este grupo de alunos sustenta não ser "plausível" que alguém que "nunca leccionou, nunca preparou uma tese na sua vida, nunca trabalhou em investigação e nunca teve um percurso académico minimamente relevante seja capaz de preparar alunos de mestrado e doutoramento". (…)

Para os promotores do abaixo-assinado, "o salário obsceno do novo docente (tendo em conta a sua formação académica), equiparado ao de um professor catedrático, é uma ofensa grave à meritocracia inerente ao percurso académico normal de um docente universitário".

Estes alunos sinalizam ainda o que pode ser visto como "cartelização política" dada a proximidade entre Passos Coelho e o actual presidente da instituição, Manuel Meirinho, eleito deputado como independente nas listas do PSD em 2011.»

Secura de ideias



«Voltou a falar-se da água em Portugal. Agora porque tem chovido muito a norte e pouco a sul. Como antes tinha sido notícia porque a seca do ano passado mostrava, claramente, que o tempo do equilíbrio ambiental no nosso país terminara. Mas ainda não chegámos ao extremo: aquele momento em que, à beira do abismo, a classe política indígena sente que tem de se mover para não perecer. Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Califórnia ou no Colorado, onde a água sempre inflamou a política, por aqui, enquanto as torneiras continuarem a verter o precioso líquido em Lisboa e no Porto, nada se modificará. As cidades olham, sobranceiras, para os problemas do interior. Ou do campo, como depreciativamente se referem àquilo que não é betão e auto-estradas. Não acreditamos que Portugal possa um dia tornar-se numa imensa Cidade do Cabo. Mas os sinais estão aí, mesmo que o distraído ministro do Ambiente continue a assobiar para o ar e a oposição considere que esse é um problema que o futuro resolverá. Esquecemos mesmo que alguns dos maiores projectos de engenharia das civilizações antigas tiveram a ver com o movimento e o controlo das águas.

Olha-se para o Tejo e percebemos a crise que aí vem. A política de Madrid sobre este rio emblemático e crucial, entre transvases e cortes no caudal (perante o mutismo das autoridades portuguesas), a agricultura intensiva e a poluição, está a matá-lo. A falta de água (e veremos como o Alqueva vai aguentar tanta pressão), que irá ser estrutural, demonstra a falta de políticas sérias do Estado para prevenir o futuro próximo. A classe política continua a cantar "Bridge Over Troubled Waters" de Simon & Garfunkel, como se nada se passasse. Mas o certo é que um dia destes haverá ponte, mas não existirá água para passar por baixo. As tentativas de privatização da água e a disseminação de empresas municipais de águas, uma canalização que se sabe há muito ser catastrófica, só ampliam o problema. Mas, à superfície, o Estado está calado. Seco de ideias.»

Fernando Sobral
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Dia da Mulher? Não


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Portugal e direito a voto das mulheres



Quanto a direito ao voto feminino, em Portugal foi assim:

Tudo começou com o decreto 19.692, de 5 de Maio de 1931. Mas com excepções, como a de Carolina Beatriz Ângelo (na foto) que foi a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto (nas constituintes de 28.05.1911), concedido por sentença judicial, após exigência da condição de chefe de família, dada a sua viuvez.


Em 1933 e em 1946 foram levantadas algumas restrições, mas só quase no fim de 1968, já durante o marcelismo, é que acabaram por ser removidas quaisquer discriminações para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. (Depois do 25 de Abril, o direito universal de voto passou a aplicar-se também às eleições presidenciais e autárquicas.)


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7.3.18

Dica (730)




«O espírito de 68 é uma bebida poderosa, uma mistura picante e desejável, um cocktail explosivo composto por vários ingredientes. Um dos seus componentes - e não menos importante - é o romantismo revolucionário, isto é, um protesto cultural contra os alicerces da civilização industrial / capitalista moderna, o seu produtivismo e consumismo, e uma associação singular, única no seu género, entre subjetividade, desejo e utopia.»
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Portugal pós 2020: uma disputa para a esquerda


«A escolha sobre que país queremos ajudar a configurar com os fundos comunitários depois de 2020 tem sido dada como coutada de um putativo acordo entre PS e PSD. Um grande consenso nacional, portanto. Dizem-nos que é em nome da alternância. A esta entronização do rame-rame, a esquerda tem que contrapor a disputa dessa escolha. A esquerda não pode aceitar que o velho arco da governação volte sempre que se fala de financiamentos estruturais do país.

A alternativa da esquerda é a qualidade do investimento público propulsionado pelos fundos comunitários. Trata-se evidentemente de uma escolha indissociável da luta por uma política orçamental que afete recursos à qualificação dos serviços públicos, designadamente na saúde e na educação. Mas vai além dela.

Há uma exigência plurianual que deve presidir à programação desses fundos: renovar a economia para responder às alterações climáticas. Esse é o sentido geral da proposta que a esquerda deve fazer ao país.» 

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Centeno (fora de portas) versus Varoufakis

A Itália de Totò



«As óperas de Guiseppe Verdi ajudaram a unificar Itália. Ele próprio um nacionalista, tinha fortes motivações políticas. Numa carta escrita no momento crítico da unificação, não poupava nas recomendações: "Só há uma música bem-vinda aos ouvidos dos italianos em 1848. A música do canhão!" Republicano e apoiante de um rei, através das suas óperas, como "Nabucco", espalhou as suas ideias.

Um século e meio depois, Itália não busca preservar a unificação. Pelo contrário, parece pedir a desagregação, entre populistas, herdeiros das velhas famílias políticas, defensores de um Norte independente do Sul e uma população que renegou o neo-realismo cinematográfico do pós-guerra.

Os resultados das eleições de domingo assemelham-se a uma comédia de Totò, o célebre actor italiano, onde, no seu maior filme, "O Rei de Roma", é um modesto funcionário que finge partir para umas férias junto ao mar para que o vizinho acredite que não é pobre. Assim a sua filha tem de se bronzear à janela para provar que esteve na praia. E, pelo meio, ainda tem de ensinar um papagaio para substituir um outro, fuzilado pelos libertadores, porque cantava hinos mussolinianos.

Os resultados de domingo seriam uma comédia se Itália não fosse um dos países cruciais da União Europeia e se as soluções de governo não passassem pelo movimento 5 estrelas e pela Liga de Matteo Salvini. O antigo primeiro-ministro italiano sintetizou a alucinação: "As pessoas preferiram os populistas genuínos às cópias." Ou seja, a festa eleitoral ainda vai no ar, para desespero dos burocratas da UE em Bruxelas que deixaram Itália entregue a si quando começaram a chegar as primeiras vagas de emigrantes de África. Mas estas eleições são apenas o início da procissão: a data mais importante para Itália vai ser quando, a 31 de Outubro de 2019, Mario Draghi deixar a presidência do BCE. Desde 2015, o banco central comprou a maioria das obrigações emitidas por Itália. Ninguém quer pensar no que acontecerá quando isso deixar de acontecer.»

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6.3.18

Agora não se façam de inocentes



Francisco Louçã no Expresso diário de 06.03.2018:

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Passos Coelho: com a Anita, já a caminho


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Marcelo não conheceu o fascismo?


«Quero sublinhar a definição utilizada por Marcelo Rebelo de Sousa, construída para designar a forma como a República se organizou durante o longo consolado de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano: "Ditadura constitucionalizada"... Nem apenas "ditadura", nem o autodesignado "Estado Novo", nem o mais popular "fascismo".

Esta versão agora adotada por Marcelo Rebelo de Sousa é a demonstração de como Portugal ainda tem muitos problemas para falar do seu passado, encerrado há 43 anos: o esforço para encontrar uma formulação bateriologicamente pura da infeção ideológica para dizer aos portugueses o que era o regime que Varela Gomes combateu é, por si só, um exercício de ideologia, pois parte da presunção de que falar sobre fascismo em Portugal é uma incorreção, uma inconveniência ou uma infelicidade. (…)

O problema não é, insisto, de rigor histórico ou científico. O problema é outro. O problema é que quando ouvimos a palavra "fascismo" pensamos em opressão, em repressão, em escuridão. Quando ouvimos "ditadura constitucionalizada" pensamos em legislação, ordem e autoridade. Há aqui um planeta de distância, estamos a falar de dois países diferentes.

Imaginemos que o coronel Varela Gomes estava vivo e que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa se cruzava com ele e lhe dizia: "Quero agradecer-lhe, em nome do povo português, a sua consistente luta contra a ditadura constitucionalizada." Varela Gomes, que se definia como antifascista, como se sentiria? Provavelmente ofendido, se calhar até humilhado, certamente indignado.

E se em vez de Varela Gomes essa mesma frase, essa expressão "ditadura constitucionalizada" tivesse sido dirigida a Álvaro Cunhal? Ou a Mário Soares? Ou a qualquer um dos milhares de pessoas que passaram pelas prisões da PIDE, muitas delas ainda vivas e com ativa participação na vida pública? Como podem essas pessoas, de diversos quadrantes ideológicos, que tantos anos da sua vida deram em torno do conceito mobilizador do derrube do fascismo em Portugal, aceitar agora esta esterilização da sua luta?»

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06.03.1927 – Garcia Márquez



Gabriel Garcia Márquez faria hoje 91 anos e morreu há quatro. Foi certamente um dos escritores da minha vida e, durante muitos anos, respondia à tal pergunta parva sobre o livro preferido entre todos referindo Cien años de soledad. Em espanhol, sim, porque não esperei pela tradução para o ler, assim que saiu em 1967. Não sei se foi o «melhor livro escrito em castelhano desde Quixote», como terá dito Pablo Neruda, mas foi certamente um marco.

Pelo caminho, ficaram Os Funerais da Mamãe Grande, O Outono do Patriarca, O Amor nos Tempos de Cólera e muitos outros. Até que, em 2002, me precipitei de novo para a primeira edição, em espanhol, de Vivir para contarla, relato romanceado das memórias da infância e juventude de GGM. A prometida continuação nunca veio (o que foi anunciado como um primeiro volume pára em meados da década de 50). Releio hoje o que escreveu como epígrafe do livro: «La vida no es la que uno vivió, sino la que recuerda y cómo la recuerda para contarla.»

Foi nesta cama dos avós, em Aracataca, que veio ao mundo. Estive lá em 2012, sempre à espera de encontrar algum membro da família Buendía ao virar de uma esquina, um qualquer José Arcádio ou um dos muitos Aurelianos… Foi em Aracataca que se inspirou para criar a mítica aldeia de Macondo, de Cem anos de solidão.

Em rigorosa «peregrinação», fiz um desvio de dezenas de quilómetros para chegar a essa localidade, hoje com 45.000 habitantes, feia e infelizmente desmazelada, que não honra como devia o que de mais importante deu ao mundo (a não ser pela boa conservação precisamente na moradia em que «Gabo» nasceu,
actualmente transformada num pequeno museu que justifica, sem dúvida, a deslocação e a visita).

«Gabo» foi pela última vez a Aracataca em 2007, para uma tripla comemoração: dos seus 80 anos, do 40º aniversário da publicação de Cem anos de solidão e do 25º da atribuição do Nobel da Literatura.

Ficam duas referências:

– No Notícias Magazine de 28.04.2013, Ricardo J. Rodrigues publicou uma belíssima crónica sobre a estadia de Gabriel García Márquez em Lisboa, em Junho de 1975, o que pensou, por onde andou, com quem esteve. O texto está online.

– Um pequeno fragmento da descrição da morte de José Arcadio Buendía em Cien años de soledad:
«Entonces entraron al cuarto de José Arcadio Buendía, lo sacudieron con todas sus fuerzas, le gritaron al oído, le pusieron un espejo frente a las fosas nasales, pero no pudieron despertarlo.
Poco después, cuando el carpintero le tomaba las medidas para el ataúd, vieron a través de la ventana que estaba cayendo una llovizna de minúsculas flores amarillas. Cayeron toda la noche sobre el pueblo en una tormenta silenciosa, y cubrieron los techos y atascaron las puertas, y sofocaron a los animales que durmieron a la intemperie. Tantas flores cayeron del cielo, que las calles amanecieron tapizadas de una colcha compacta, y tuvieron que despejarías con palas y rastrillos para que pudiera pasar el entierro.»

Dica (729)




«Ultimately, the only certainty is that Italy’s political landscape – just like Europe’s – is in a complete state of flux. The collapse of traditional parties is welcome and long overdue. But it remains to be seen whether this will lead to the kind of right-wing backlash that Bannon so revels in, or whether it will open the opportunity for a genuine progressive transformation. The Italian elections have shaken the tree. But the fruits still have to ripen.»
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5.3.18

Novas atracções para turistas




Cascatas na Mouraria, em Lisboa.
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O presidente e as suas congratulações



O presidente da República congratula-se com a «solução de Governo na Alemanha com o potencial para contribuir para que a Europa ultrapasse a encruzilhada em que se encontra». Não percebo o que tem a ver com o que se passa na Alemanha (ou obviamente que percebo…), mas tudo bem.

Voltarei mais tarde à página da presidência para saber o que tem a dizer sobre o resultado das eleições em Itália.
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Triste Itália



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Universidade pública versus universidade privada



«A educação é seguramente a maior fonte de capital humano de um país e é, por isso, um dos principais motores de crescimento e desenvolvimento económico. Independentemente do “fornecedor/formador”, público ou privado, é um bem público no sentido em que é não-rival (o mesmo conhecimento pode ser usado por diversas pessoas ao mesmo tempo) e não-exclusivo (é impossível impedir que alguém utilize conhecimento transmitido).

Há sempre uma grande discussão em torno da questão da adequação da rede de ensino superior às necessidades do país. Mas não é esse o principal objectivo desta crónica, que passa sobretudo pela análise das principais diferenças entre o ensino universitário público e o ensino universitário privado. Neste processo, atendo particularmente a valores médios (qualidade média dos estudantes, dos professores e das instituições) e aos conteúdos programáticos leccionados nos diversos ciclos de estudos.

Claramente, em termos médios, os estudantes da universidade pública são melhores e mais comprometidos com o desejo de saber. Foram melhores estudantes no ensino secundário, escolheram em primeiro lugar os cursos, logo os melhores cursos, e apresentam-se, portanto, mais motivados; em suma, são mais profissionais. E porque escolhem eles cursos na universidade pública, mesmo sabendo que, sendo melhores e estando dispostos a estudar mais, provavelmente, terminarão o ensino superior com média inferior à de colegas do ensino universitário privado? A resposta é obvia, porque a universidade pública é incomparavelmente melhor! Não creio, pois, como muitas vezes se diz, que o ensino universitário público seja apenas para as supostas “elites”, penso sim que é, em primeiro lugar, para os melhores.

Para além de ter, em média, os melhores alunos, a universidade pública tem também, em média, os melhores professores. Professores que não se limitam a reproduzir conhecimento estandardizado, muitas vezes ultrapassado, obsoleto, mas que se actualizam, que investigam, que geram novo conhecimento, que debatem e partilham novas descobertas com os pares situados em locais distintos do seu, seja por brio profissional, seja porque a progressão na carreira assim o exige, ou seja ainda porque são estimulados pela qualidade média dos estudantes. Para quem dúvida de mim deixo apenas a seguinte questão: porque será que os professores do ensino universitário público não estão dispostos a mudar para o ensino universitário privado e o contrário acontece?



4.3.18

Viajar? Todos os conselhos são bons



Obedecerei em breve. Já em fase countdown.
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Itália em protesto



«Protestar em topless contra o Berlusconi é como construir uma auto-estrada para mostrar indignação contra o Sócrates.»

Rui Rocha no Facebook
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Dica (728)

Democracias "consolidadas"



«O relatório do Comité de Prevenção da Tortura do Conselho da Europa sobre Portugal, em particular sobre o comportamento das autoridades policiais e a atuação do Governo relativamente aos fenómenos de violência policial, de que somos o pior caso na Europa Ocidental, e os abusos praticados contra os afrodescendentes e os estrangeiros, foi divulgado numa semana que fechará com umas eleições italianas no centro das quais está o avanço do racismo. Estes dois casos relançam a discussão sobre a qualidade da democracia, da nossa e daquelas às quais, com pouquíssima seriedade intelectual, se tem chamado "democracias consolidadas".


Desde o 11 de Setembro, assistimos à escala internacional a um processo de transição autoritária em que, a pretexto da segurança e da "guerra contra o terror", se abrem duas etapas: na 1.ª, excluem-se os outros (imigrantes, refugiados, minorias étnicas) do âmbito de reconhecimento da cidadania democrática, empurrados para o limbo do arbítrio do Estado e dos poderosos; numa 2.ª etapa, caminha-se inevitavelmente para a ampliação do arbítrio para as áreas de atividade social, política e cultural de todos aqueles que se oponham à nova ordem securitária, sujeitando-os a regras de controlo típicas das ditaduras mas sem nunca se prescindir da aparência de democracia.

Vamos a alguns exemplos europeus. Bem antes dos atentados de 2015, a França equipou-se em 2008 com legislação que permite prorrogar a detenção para lá da pena a pretexto da "perigosidade" do detido. Em Portugal, "medidas de segurança" desta natureza existiam sob a ditadura e eram geridas pela PIDE. Submetida a um estado de emergência desde 2015, que Macron decidiu "legalizar" transpondo para a lei comum muitas das normas excecionais previstas naquele, limitou-se a liberdade de informação e de manifestação e sucedem-se os abusos praticados pelos serviços de informações e pelas polícias, que afetam os suspeitos de terrorismo ou de "colaboração" ou "auxílio" em atos como tal designados, mas também ativistas sociais e políticos, jornalistas, cidadãos de todo o tipo. Em 2015, o Governo francês acionou o art. 15.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que permite a um Estado aderente cessar a aplicação da convenção "em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação", juntando-se a um grupo de bons exemplos, como a Albânia, a Geórgia, o Reino Unido, a Ucrânia ou a Turquia de Erdogan (a qual, aliás, só o fez sete meses depois da França).

É ao abrigo deste estado de emergência tornado regra, desta normalização da exceção, que temos vindo a assistir em algumas das chamadas democracias "consolidadas" à criminalização da opinião, do humor e de manifestações artísticas. Exatamente como em qualquer ditadura. A Espanha é das recordistas de abusos neste campo — para já não falar da prisão dos independentistas catalães. O último dos exemplos é o do rapper espanhol Valtònyc, detido em 2012 pelos crimes de "apologia do terrorismo e do ódio ideológico", "incitação à violência" e "injúrias" ao rei de Espanha deduzidos das letras das suas músicas. Em 2017 foi condenado a 3,5 anos de cadeia, que, depois de recurso, acabam de ser confirmados há uma semana pelo Tribunal Supremo. Que no meio disto Rajoy tenha marchado nas ruas de Paris sob o lema de Je suis Charlie diz tudo da sinceridade dos princípios democráticos de algumas das democracias "consolidadas"...

Vive-se por todo o Ocidente um ambiente generalizado de paranóia controladora que, desjudicializando o controlo dos processos de vigilância que, por definição, deveriam ser muito restritos, viola descaradamente os direitos dos cidadãos, promove o "Estado securitário dentro do Estado", "institucionaliza o arbítrio" e torna a democracia um puro simulacro. Como diz William Bourdon (Les dérives de l'état d'urgence, 2017), pretende-se fazer crer aos cidadãos "que as liberdades estão mais bem protegidas se a elas renunciarmos". Toda esta ambiência autoritária tem sido sacudida pelo discurso político e mediático dominante para cima de Erdogan, de Putin ou de Maduro mas nunca aparece descrita para países como a França ou a Espanha, raramente os EUA. É como se a "democracia iliberal" de que há anos fala o tão elogiado Fareed Zakaria se limitasse a parceiros menores na Europa pós-comunista (Hungria, Polónia, Eslováquia...) e não se tivesse instalado no coração das democracias que se julgam "consolidadas".»

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